quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

CAÇADORES DAS PLANÍCIES

 

 

 
 
 
 



Antes de começar a apresentar minha visão gostaria de falar um pouco sobre as tribos das pradarias dos Estados Unidos - prováveis autores da história do Rato Saltador. As tribos sobreviviam da caça e o búfalo americano era sua principal fonte de alimento. Esses animais forneciam a matéria prima para a maior parte dos objetos usados pelos índios das pradarias como elementos de decoração, ferramentas para artesanato, facas, armas e roupa. As próprias barracas onde os índios viviam – as tradicionais tendas em forma de cone conhecidas como tipis – eram feitas do couro do animal. Facilmente desarmadas, facilitavam a vida nômade de constantes mudanças.
As tribos seguiam a migração sazonal do búfalo durante o ano para orientar as próprias mudanças e movimentos. No século 19, o ano típico dos Lakotas, um dos mais numerosos povos das planícies, começava com uma caça ao búfalo, que tinha início assim que os cavalos estivessem completamente recuperados dos rigores do inverno. Em junho e julho, as aldeias espalhadas das tribos reuniam-se em acampamentos de grande porte para a Dança do Sol anual, durante a qual os líderes aproveitavam para tomar decisões políticas, planejar movimentos, arbitrar disputas, organizar e lançar expedições de assalto ou guerras.

No outono, os índios novamente se dividiam em aldeias menores para facilitar a caça e obter carne suficiente para o longo inverno. Entre a caça de outono e o início do inverno, os guerreiros Lakota muitas vezes aproveitavam para realizar uma segunda rodada de ataques e guerras. Com a chegada do frio, os Lakota se estabeleciam em campos de Inverno, passando seu tempo – caso a caça de inverno tivesse sido bem sucedida – em cerimônias e danças e tentando garantir alimentação adequada para os seus cavalos. Sobre as planícies do sul, com seus invernos mais amenos, o outono e inverno também eram oportunidade para guerrear e lançar ataques contra os inimigos.
Apesar dos indios das planícies caçarem outros animais, como o alce ou o antílope, o búfalo era a principal fonte de alimento. Com os primeiros contatos com os espanhóis, no século 17, as tribos conheceram o uso de cavalos e rapidamente incorporaram este animal em seu cotidiano. O emprego das montarias tornou a caça – e a guerra – muito mais fácil. Com cavalos, eles tinham meios e velocidade para ultrapassar um búfalo ou mesmo provocar deliberadamente uma debandada. Algumas das técnicas usadas para a caça incluiam cercar o búfalo, e tentar guia-los para penhascos ou lugares onde eles poderiam ser mortos com mais facilidade ou construir um curral para onde o rebanho seria conduzido e morto.

Búfalos foram caçados quase até a extinção por não índios no século XIX e chegaram a ser reduzidos a poucas centenas em meados da década de 1880. Muitos foram abatidos por suas peles e deixados para apodrecer no chão. A promoção pública da caça aos búfalos teve uma série de razões: reduzir a competição de outros bovinos contra o gado dos rancheiros que se estabeleciam na região e pressionar as tribos a permanecerem confinadas nas reservas. Até a indústria ferroviária empenhava-se em atacar a espécie, visto que os animais por vezes provocavam acidentes, destruindo ou danificando seriamente as locomotivas.

O impacto dessa matança para os índios foi devastador. O búfalo, além de fornecer desde a comida, até roupa, ferramentas, abrigo e muitos dos objetos diários, era também central nas crenças espirituais daquele povo. Joseph Campbell, especialista em mitos norte-americano, identifica um traço comum em várias culturas que dependem da caça como seu meio de vida principal.

Na célebre entrevista ao jornalista Bill Moyers que originou a obra O Poder de Mito Campbell esclarece o como as culturas que se baseiam na caça vêem os animais caçados: “O mito básico da caçada traduz uma espécie de acordo entre o mundo animal e o mundo humano. O animal entrega sua vida voluntariamente, compreendendo que essa vida transcende sua entidade física e retornará ao solo ou à matriz, por meio de algum ritual de restauração. Para os índios das planícies americanas, era o búfalo.”, esclarece Campbell.

Sobre os índios das planícies, o mitólogo retoma um dos mitos fundadores da tribo dos pés negros. Na história, os índios tentam sem sucesso levar o rebanho ao penhasco para garantir o alimento para o inverno. Uma jovem da tribo tenta ajudar e promete aos búfalos que se casará com um deles caso eles se aproximassem do rochedo. Muitos despencam e morrem e o xamã dos búfalos, que permanece vivo, exige que a promessa seja cumprida e a mulher se case com ele.

O pai da moça tenta resgatá-la e acaba morto pelos búfalos. Diante da tristeza da esposa, o xamã da manada promete deixá-la voltar a tribo caso ela consiga trazer o pai de volta a vida. Com o uso de uma canção mágica, ela alcança o feito. Impressionados, os búfalos oferecem para a tribo uma dança para ser executada junto à canção. Transformada em ritual, a performance garante que os búfalos voltem a vida depois de servirem de alimento para os índios, e que isso se repita durante todos os anos.

É um acordo. Um acordo entre semelhantes. Para o índio americano das planícies, portanto, o búfalo é visto com um respeito reverente. “Um ego que ver um ‘vós’ é totalmente diferente de um ego que vê um ‘isso’. Toda sua psicologia muda”, diz Campbell durante a longa entrevista entrevista que concedeu ao jornalista meses antes de morrer. Os índios viam os búfalos como “vós”, e não como “isso”.

Assim, os animais podem ser entendidos como um símbolo da generosidade da mãe terra. “Você me deu a vida para que eu possa dá-lo ao povo”, disse o búfalo ao Rato Saltador. Eis o sentido da compaixão e do desprendimento para os índios das planícies. É por isso que eu compreendo essa passagem da lenda do Rato Saltador como um despertar do coração que estava doente e, agora, torna-se novamente vivificado e capaz de doar. Ao doar um de seus olhos para o búfalo, o herói da história estava na verdade salvando o Amor que existia dentro de si próprio. Essa é uma das peças, no meu entendimentos, necessárias para chegar ao sentido profundo por trás dessa história.

No próximo post, vamos conhecer outra peça importante em “Descobridores de trilhas".

Nenhum comentário:

Postar um comentário