segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

PONTE ENTRE OS MUNDOS


Xamanismo: Conexão com o Universo
Os xamãs têm dois métodos principais para curar: remover algo e restaurar algo.
Num passado não muito distante os xamãs eram vistos como maus, satânicos, até mesmo impostores. Porém, desde que Mircea Elia — de publicou, em 1964, um extensivo estudo sobre o xamanismo em todo o mundo, esta prática passou a ser tratada com mais respeito, como um assunto que merece investigação científica. Eliade, historiador de religiões na Universidade de Chicago, documentou, em Shamanisrn: Archaic Techniques of Ecstasy, características do xamanismo em diversas culturas e localidades. Sua obra mostrou que os xamãs são um fenômeno mundial, e que ocupam um importante lugar em suas sociedades.
Com uma série de características em comum com a sabedoria antiga, o xamanismo também atraiu o interesse dos teosofistas. Muitos já realizaram viagens para estudar os xamãs diretamente, em busca de ajuda para expandir a estreita e materialista visão de mundo ocidental.






Ponte Entre os Mundos

As culturas xamânicas consideram que tudo está interconectado, que todas as partes da natureza interagem entre si e que há propósitos ocultos na vida das pessoas. Elas não fazem distinção entre o corpo, a mente e o espírito; veem os mundos físico e espiritual como um só, com o espírito sempre presente na matéria.
Porém, além do mundo objetivo, os xamãs acreditam que há uma outra realidade à nossa volta, um mundo “superfísico”. Esse reino é habitado pelas almas dos mortos, por espíritos guias, almas perdidas e espíritos maus, e os xamãs têm o poder de se comunicar com eles. Mas a ideia de que há mais de uma realidade não é popular apenas entre os adeptos do xamanismo.
Nos livros Einstein’s Space e Van Gogh’s Skies, o físico Henry Margenau e o filósofo e parapsicólogo Lawrence LeShan falam sobre diferentes maneiras de olhar o mundo. Segundo LeShan, há uma realidade sensorial, onde normalmente nós obtemos informação e onde o tempo é unidirecional — passado, presente, futuro. Aqui, o espaço é uma barreira à troca de informação. Porém, no que ele chama de “realidade clarividente”, tudo é parte de um todo unificado e eterno. Tempo e espaço não impedem o fluxo de informação; a clarividência, a telepatia e a precognição são naturais. Nessa realidade clarividente podemos conhecer fenômenos distantes, prever o futuro e ler o passado — assim como no estado de realidade alterada dos xamãs.
Ao cruzar dados sobre a cultura xamânica, Eliade descobriu três regiões cósmicas comuns a todas as culturas: o firmamento, ou mundo superior (céu); a Terra, ou mundo inferior (o mundo do dia-a-dia); e o submundo, ou mundo inferior um (inferno). Um eixo central conecta os três universos, passando através de uma abertura ao longo da qual os deuses descem à Terra e os mortos ao submundo. A alma do xamã, em êxtase, pode voar para cima ou para baixo neste eixo. Esse ponto de conexão é chamado de pilar do mundo, árvore do mundo, árvore da vida ou montanha cósmica.





Mestres dos Espíritos

Acredita-se que os xamãs tenham muitos poderes psíquicos. Além dos fenômenos tradicionalmente estudados no Ocidente (clarividência, telepatia, precognição, telecinesia), eles também dizem se comunicar com os mortos, quebram encantamentos, diagnosticam e curam doenças, controlam o tempo, levitam, projetam sua alma para fora do corpo.
Os xamãs são “mestres dos espíritos”, e não possuídos por eles; os espíritos trabalham para os xamãs, não o inverso. Eles decidem quando o espírito pode se manifestar e com que propósito. Ao contrário dos esquizofrênicos, os xamãs podem interromper as vozes quando desejarem. Além da habilidade de entrar à vontade em estados alterados de consciência, eles também dominam a mente, pois têm que se comunicar com as pessoas e explicar suas visões de maneira compreensível. Pode- se dizer que eles usam tanto o lado direito quanto o esquerdo do cérebro.

Cerimônia de Cura

Como um exemplo de práticas xamânicas, gostaria de descrever uma cerimônia tradicional de cura realizada por Rolling Thunder com uma mulher vítima de esclerose múltipla. A história é contada por Jim Swan, psicólogo ambiental e psicoterapeuta, que trabalhou com a paciente. Rolling Thunder é um médico xamã cherokee e conselheiro espiritual de pessoas conhecidas, como Joan Baez, Muhhammad Ali e o grupo de rock The Grateful Dead.
A esclerose múltipla é uma doença progressiva do sistema nervoso para a qual não há cura conhecida, embora às vezes ocorra remissão espontânea. Swan não tinha conseguido ajudar muito, embora a psicoterapia tenha proporcionado um pequeno alívio psicológico à paciente. Ela usava bengala e era bastante mal-humorada. A cerimônia de cura aconteceu numa clareira na floresta. Pessoas cantavam e batiam tambores quando Rolling Thunder entrou, a passos largos, no círculo. Era um homem grande, com um metro e noventa de altura. Usava penas de águia no chapéu; acima de sua testa havia uma estrela prateada de sete pontas com uma tartaruga no centro. Trazia também símbolos brancos pintados nas bochechas e na testa; uma maleta de remédios, feita de pele de texugo, pendia de sua cintura.
Sua chegada dramática foi como uma declaração muda de que ele era um xamã, um homem de poder. Ele entrou no círculo de dançarinos e fez orações nas quatro direções. Com as mãos levantadas, olhou para o céu. Naquele momento, Swan notou uma mudança. Quando seus olhos se encontraram por um instante, Swan sentiu que o olhar de Rolling Thunder tinha a frieza e a qualidade não humana da águia. Durante algum tempo o xamã dançou com os braços abertos, como se fossem asas.
Cerca de quarenta e cinco minutos após, a paciente foi trazida para a clareira. Movia-se lentamente com sua bengala. Rolling Thunder fez gestos amplos sobre ela com uma ponta de rabo de búfalo e uma pena de águia, como se estivesse limpando sua aura. Os cânticos e as batidas continuavam. O xamã colocou a mão sobre as costas da paciente, depois retirou e cuspiu na mão. Deixou escapar um “upa” que assustou todo mundo. Repetiu essa sequência várias vezes. Uma nova mudança, então, ocorreu nele. Ele ficou de quatro, ganindo, rosnando e cheirando a paciente (“como um texugo”, Swan pensou). Depois começou a chupar a parte inferior das costas da paciente. Em seguida, cuspiu um material verde. Isso se repetiu várias vezes, após o que ele parecia cansado. Andou em volta da paciente abanando a ponta de rabo de búfalo sobre ela, e esse foi o fim da cerimônia.
A paciente, que parecia radiante, exclamou: “Eu estou viva!”. Deu alguns passos com a bengala e depois a jogou fora, enquanto todo mundo aplaudia. Rolling Thunder afirmou: “Hoje esta mulher foi sarada.” Ele ressaltou que não disse “curada”; a paciente ainda tinha que “caminhar pela estrada vermelha” (a boa via dos índios) e cuidar da dieta. Precisaria de mais duas ou três sessões de tratamento, com ele ou alguém como ele. Thunder disse ainda: “Esta é a maneira de agir do Grande Espírito. Eu sou como um instrumento para ele. A cura vem do mundo espiritual; eu sou apenas um ajudante.” Durante as sessões, Rolling Thunder assumiu o aspecto de um pai sábio, de uma águia, de um texugo e de um mago poderoso. A paciente foi capaz de mover-se sozinha pela primeira vez em pouco tempo; porém, horas depois, ela precisou novamente do apoio da bengala. Uma semana depois ela disse a Swan que tinhas altos e baixos, mas que se sentia mais forte.
Durante algum tempo Swan perdeu contato com ela, mas cerca de dois anos depois teve notícia de que ela estivera em outras sessões alternativas de cura, e que já nadava e andava a cavalo. Ela não sentia mais estresse nem ansiedade por melhora. Sua vida ia de vento em popa; ela passou a ter um grande interesse pela natureza, pelas rochas e pelo Grande Espírito. Seu desencorajamento se foi, e fisicamente ela estrava muito melhor.
 


Poder Pessoal

Os xamãs são muito procurados para curar. Sua visão de saúde e doença é diferente da visão típica ocidental. Eles acreditam que a doença ocorre quando a proteção da pessoa está fraca e há um perda de “poder pessoal.” Nós diríamos que o sistema imunológico está fraco, como acontece quando estamos esgotados, desencorajados, deprimidos. Em um caso assim, o xamã nutriria a alma para restaurar o poder pessoal, sem necessariamente tratar os sintomas. Ele poderia também viajar ao outro mundo em busca do poder da alma. A saúde não significa necessariamente ausência de dor. Melhorar pode ter pouco a ver com o corpo, uma vez que o importante é restabelecer o senso de conexão. É significativo que a paciente vítima de esclerose múltipla tenha se interessado pela natureza após o tratamento.
Os xamãs têm dois métodos principais para curar: remover algo e restaurar algo. Uma doença localizada pode ser visualizada como uma aranha que tenha que ser retirada de alguma estranha criatura, do mesmo modo como o veneno é retirado de uma picada de cobra. Para restaurar algo, os xamãs realizam uma viagem a outro mundo. Se o paciente estiver à beira da morte, eles podem procurar sua alma e trazê-la de volta. Podem também contatar a alma sob a forma de um animal, para que ela energize o paciente e aumente sua resistência à doença.
Os xamãs utilizam métodos alternativos de cura, junto com os rituais e as jornadas a outro mundo. Podem usar ervas ou remédios manipulados e não fazem objeções ao fato do paciente estar sob cuidados de um médico convencional. Eles são holísticos, uma vez que têm acesso a vários métodos alternativos e cuidam tanto da alma quanto do corpo.

Contato com o Mundo Espiritual

As visões do mundo e as práticas xamânicas têm muitas características em comum com a sabedoria antiga. Os aborígenes australianos são um exemplo de como o xamanismo expressa essa sabedoria. Assim como os hindus, os aborígenes acreditam que estão em contato com o mundo espiritual. Eles viajam durante o sonho, para recuperar almas perdidas ou passar por iniciações; também exploram o reino dos mortos e acreditam que a morte é a “sobrevivência no infinito”. Na cultura aborígene, assim como entre os hindus, os mais velhos se retiram da vida comunitária e seguem sozinhos para as montanhas, para meditar. Eles praticam “olhar para o céu”, porque acreditam que a mais elevada espiritualidade está associada ao espaço, ao infinito — assim como a ideia de libertação, em algumas escolas orientais.
Enquanto a prática de olhar o céu assemelha-se aos estados de meditação da ioga, a viagem durante o sonho está mais centrada em experiências psíquicas, que trazem informações específicas sobre problemas do dia-a-dia. Outra característica em comum entre o xamanismo e a sabedoria antiga é a ideia de que o universo está vivo. O universo é um ser uno, com todas as partes interconectadas; cada pedra, cada grão de areia é a corporificação de seu espírito. Tanto o xamanismo quanto a sabedoria antiga acreditam que há uma fonte espiritual por trás do mundo. Ambos afirmam que há vários níveis de ser, ou realidades alternadas, habitadas por seres não-físicos; ambos creem na vida após a morte. Tanto o xamanismo quanto as antigas tradições consideram possível contatar os reinos interiores por meio de viagens místicas e estados alterados de consciência. Ambos oferecem um caminho para quem quer ser senhor de si mesmo e também das realidades alternativas, mantendo-se, ao mesmo tempo, em harmonia com a natureza e as pessoas

Nenhum comentário:

Postar um comentário