quarta-feira, 3 de setembro de 2014

DRUIDISMO E XAMANISMO


Druidismo e Xamanismo: Elementos comuns

Querer separar o xamanismo do druidismo é desdenhar do xamanismo, como se este fosse mera bruxaria. Nas palavras de Mircea Eliade, o mais destacado estudioso da área, "o xamanismo é a mais valiosa experiência das religiões arcaicas" e suas práticas rituais originadas de crenças profundas
e pensamento metafísico geralmente possuem a mesma precisão e nobreza
das experiências dos grandes místicos do Oriente e do Ocidente."

Em “O Xamanismo e as Técnicas Arcaicas do Êxtase”, obra seminal do historiador romeno Mircea Eliade, o autor afirma que “desde o início do século XX, os etnólogos se habituaram a utilizar como sinônimos os termos xamã, ‘medicine-man’, feiticeiro e mago para designar certos indivíduos dotados de prestígio mágico-religioso encontrados em todas as sociedades “primitivas”. Por extensão, aplica-se a mesma terminologia ao estudo da história religiosa dos povos “civilizados” e fala-se, por exemplo, em xamanismo indiano, iraniano, germânico, chinês e até babilônico para referir-se aos elementos ‘primitivos’ encontrados nas respectivas religiões.
Assim, apesar de strictu sensu o termo “xamã” só ser correto quando designa um curandeiro/mago das tribos siberianas, atualmente essa palavra transcende os limites de sua origem e descreve as crenças encontradas em praticamente todas as espiritualidades do mundo. Ao estudar as práticas espirituais de diversos povos ‘primitivos’ ao redor do globo, Eliade identificou alguns pontos comuns que tornam possível descrever uma certa religião como xamânica: o animismo, já mencionado acima; o totemismo – a crença na existência de espíritos que, na forma de animais, orientam, protegem, ensinam e curam; a reverência aos ancestrais como guardiões e instrutores da tradição espiritual; o êxtase ritual como ponte de acesso ao Divino.
As lendas e mitos que nos chegam de diversas terras celtas atestam a existência desses elementos no cerne das práticas e crenças dos povos celtas – não só entre os druidas, mas também entre guerreiros, reis, poetas e representantes de outras camadas da sociedade celta, o que reforça a idéia de que esses conceitos eram comuns a todos – e não restritos a uma determinada categoria de indivíduos.
Alguns exemplos: além de rios vistos como entidades vivas e possuidoras de espíritos sagrados, também objetos como espadas, caldeirões, portões e casas surgem nas narrativas celtas como dotados de vida própria, caracterizando Animismo; diversas deidades e figuras míticas recebem nome (Cuchulainn, Badbh), proteção ou instrução (Fionn, Fintan, Macha) de animais, alguns chegando a assumir suas formas (Morríghan, Sadbh, São Patricio), caracterizando Totemismo; a reverência aos Ancestrais surge nas figuras do Falcão de Achill, em Fintan e muitos outros; e práticas como a misteriosa imbas forosnai dos druidas irlandeses, o furor de combate de Cuchulainn e a iluminação obtida por Fionn ao sugar seu próprio polegar implicam em estados alterados de consciência – ou êxtase ritual.
Para muitas pessoas, o termo ‘xamanismo’ evoca idéias de povos ‘primitivos’ e rituais bizarros. Um estudo mais aprofundado das crenças e técnicas xamânicas revela que elas são facilmente encontrados até mesmo nas religiões monoteístas institucionalizadas. Isso é importante para eliminar o preconceito nutrido pelo desconhecimento: afinal, preces, arrebatamentos, mantras e cânticos são formas de êxtase ritual tanto quanto os estados alterados de consciência produzidos pela ingestão de alguma substância psicotrópica nalgum culto dito ‘primitivo’.

Alguns estudiosos sugerem que os entrelaçados celtas surgiram como
representações de visões de transes místicos ou mesmo como
imagens capazes de induzir a estados meditativos, como os yantras indianos.

No universo da espiritualidade celta, os relatos que nos chegam pelas lendas e mitos descrevem diversas dessas práticas e crenças xamânicas com naturalidade, ou seja: os narradores e redatores das lendas aceitavam a realidade e, especialmente, a validade dessas técnicas. Ao estudar o xamanismo presente nas lendas celtas,Jean Markale afirma que, para o xamâ,
O principal objetivo é retornar do Outro Mundo - daí a prudência dos xamãs que nunca se aventuram a sós nas regiões proibidas. No início eles são sempre acompanhados por um xamã mais experiente, que age não só como guia mas também como protetor. Somente os heróis predestinados e os xamãs experientes conseguem cruzar a ponte impunemente para em seguida retornar. As técnicas para a travessia são extremamente variadas: os sonhos são uma forma, o delírio outra, o orgasmo outra mais. (...) Tais conceitos são comuns no universo celta, assim como em outras culturas indo-européias. O furor divino, o "frenesi" de certos heróis gregos, o nome do proeminente deus-xamã Odin-Wotan, a fúria do complexo personagem irlandês Fergus (cujo nome se origina em ferg, "fúria, potência"), o calor interior de Cuchulainn - todos remetem ao mesmo tema.
Trocando em miúdos, enquanto conjunto de técnicas e conceitos, o xamanismo consiste na obtenção de uma percepção diferenciada da realidade, um novo ponto de vista, que é obtido através do transe ou êxtase ritual, para que o praticante possa, munido dessa nova percepção, enxergar a realidade sutil por trás dos fatos, compreender nesse estado de arrebatamento a natureza da questão que motiva a ação xamânica e, em seguida, retornar com a resposta e/ou o curso de ação. A informar todo o processo, a essência xamânica é a crença na sacralidade da vida e da possibilidade de comunicação e real compreensão com o mundo sutil.
Para entender a importância do xamanismo em nossos dias, leia os artigos “A Resposta Xamânica”, de autoria de K. Lauren de Bôer, e Uma Espiritualidade para Salvar a Terra, de Cláudio Quintino Crow ambos na seção “ECO-ESPIRITUALIDADE”


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