quarta-feira, 3 de setembro de 2014

ESPAÇO SAGRADO


 

Espaço Sagrado


A manifestação divina está em toda parte, nossos olhos é que não estão abertos para ela.
O maravilhamento é a força que nos impele adiante.
- Joseph Campbell

Com isso em mente, podemos entender a real natureza dos deuses e deusas celtas: eles são os espíritos que habitam nosso mundo, dando-lhe forma e interagindo conosco. Um sinal inequívoco dessa visão está preservado até hoje na toponímia de diversos rios em terras celtas: o rio Shannon, na Irlanda, deve seu nome à deusa Sionann; na Escócia, o Clyde é a manifestação física da deusa Clótha; na Gália, a deusa Sequana é quem anima (animar = “dar alma”) o rio Sena – e assim por diante. Diversas montanhas, florestas, nascentes e lagos das paisagens celtas refletem a mesma crença de que a paisagem é povoada por poderosos espíritos da natureza – em outras palavras, deuses e deusas.

A Espiritualidade Celta nos lembra que não vivemos somente de nossos pensamentos, sentimentos ou relações.
Nós pertencemos à terra. Os ritmos da terra e suas estações vibra em nossos corações. O sol aquece a terra e propicia a vida.
A lua abençoa a noite. No mundo simplificado da Espiritualidade Celta, há uma percepção clara do sacramento da Natureza que gera a presença visível.

– John O’Donohue



Ruínas do Mosteiro de Clonmacnois, Irlanda:
Um dos primeiros mosteiros cristãos da Irlanda, Clonmacnois foi fundado por São Ciáran às margens do rio Shannon – prova de que os primeiros cristãos reconheciam a energia do local como sagrada. Afinal, para os celtas os rios são sagrados, pois deles depende a saúde de toda a comunidade das áreas vizinhas. O Rio Shannon recebe o nome da deusa celta Siónann - para os celtas, o rio era a própria deusa que os mantinha vivos.
Que diferença faria para nossos modernos rios urbanos se essa visão fosse restaurada...

Essa sacralização da paisagem é um dos principais atrativos que a Alma Celta oferece a nossos tempos: resgatar essa visão num nível mais amplo e coletivo seguramente criará uma nova consciência para as relações do ser humano com a natureza.
Impossível, do ponto de vista celta, observar a degradação do meio-ambiente sem sentir que um rio poluído é um ser divino que sofre e que morre, matando por conseqüência todas as criaturas que dele dependem – inclusive os humanos. Essa percepção enquadra-se com perfeição no conceito de uma “Espiritualidade Verde”, alinhada com a visão de uma nova sociedade proposta pelo geólogo Thomas Berry em seu projeto para a Sociedade Ecozóica.
Clique na seção "Eco-Espiritualidade" do menu acima e acesse as traduções por mim feitas de importantes textos sobre a Sociedade Ecozóica - esse pensamento revolucionário que fomenta o desenvolvimento de uma nova consciência de vida, seja no plano individual e coletivo, mental e espiritual, filosófico e das ações. Numa época em que o aquecimento global é uma ameaça real ao nosso futuro, é fundamental que desenvolvamos uma espiritualidade de vanguarda, ativa, transformadora.

O mundo não nos foi dado para com ele fazermos o que bem entendermos: não somos seus servos, nem tampouco seus guardiães. Ao contrário, nós somos parte desse mundo, dele dependemos e com ele interagimos constantemente. E essa interação deve ser honrosa, reconhecendo-se o espírito e a sacralidade da Paisagem.
Afinal, nossa interação com o mundo em que vivemos é justamente a força que forma e transforma esse mundo.


Templo onde estiver


Os celtas realizavam seus cultos em bosques, no mundo natural, atraídos pela silenciosa divindade dos locais silvestres. Certas nascentes, árvores, animais e aves lhes eram sagrados. Saber onde e o que um determinado povo cultua indica sua percepção da fonte da vida. O Deus cristão é acessado através das idéias, das palavras e dos rituais: os celtas não circundavam seus cultos com paredes. Estar em contato com a Natureza já bastava para pô-los em contato com a Presença Divina.
A natureza era o teatro das diversas dramaturgias da imaginação divina.

– John O’Donohue

O fato de os druidas históricos não construírem templos é explicado justamente por sua crença de que nenhuma estrutura erguida por mãos humanas é tão sagrada quanto a Natureza em que vivemos. Os druidas da Idade do Ferro celebravam seus rituais em bosques sagrados, chamados de “Nemetons”: essa palavra de origem gaulesa significa literalmente “bosque sagrado” (e hoje também designa grupos druídicos modernos que se reúnam regularmente para celebrar seus rituais). Uma das prováveis origens para o próprio termo druida aponta para o significado "aquele que tem a sabedoria do carvalho" - ou seja, aquele que conhece a magia do passar das estações do ano, metáforas para nossa vida.
O equivalente irlandês para o termo Nemeton é Fidnemed, ‘bosque sagrado’. A compreensão do real significado de se ganhar acesso ao sagrado a partir de um determinado local ganha mais força quando lembramos que a palavra para designar o “Céu”, no sentido de “morada divina, paraíso” é Nem – a mesma raiz linguística presente em Nemeton e Fidnemed. Para um druida, o local onde ele se põe em contato como sagrado é uma reprodução terrena do Outro Mundo – o mundo dos espíritos.

Bosque de teixos em Reenadinna Woods, Killarney, Irlanda

Todas as terras são, obviamente, sagradas, e parte de nosso trabalho hoje é recordarmo-nos
da sacralidade da Terra – uma terra que foi dessacralizada.
- Philip Carr-Gomm, The Druid Way


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