quarta-feira, 3 de setembro de 2014

TRANSFORMAÇÃO


 

Transformação

Nossa cultura moderna é pautada na funcionalidade – por conta disso, somos obcecados pela continuidade: se algo está funcionando, fazemos de tudo para que assim continue. Ao emprestar uma sensação de conforto advinda da familiaridade, a busca moderna pela continuidade empobrece nossa existência e nos faz temer a mudança. Esquecemo-nos de que o universo esteve, está e sempre estará em constante transformação; esquecemo-nos de que nossas vidas são feitas de constante mudança: manhã-tarde-noite, primavera-verão-outono-inverno, diástole-sístole, sono-vigília, vida-morte.



No druidismo a mudança é sagrada. Ela é tão integral à nossa tradição quanto aos ciclos da Natureza, às fases da lua, às marés,às estações do ano...
- Emma Restall Orr






Essa ligação com a natureza, característica tão xamânica da espiritualidade celta – e não esqueçamos que o xamanismo está na base de todas as religiões – é que faz do druidismo uma religião ‘pagã’. Pagão: palavra que vem do latim paganus, aquele que nasce no pagus, ou seja, no campo. Assim, em termos espirituais, ‘pagão’ se refere a uma espiritualidade do campo, da Natureza. É do contato com esses espíritos da Natureza que os druidas e druidesas modernos obtêm sua inspiração, canalizando-a, fazendo bom uso dela e, assim, honrando sua fonte, sua origem.

O druidismo não é somente uma tradição mágica, mas sim uma busca pela pureza da quintessência da vida. Pode-se passar eras e eras ponderando sobre teorias e crenças; pode-se crer ter encontrado alguma verdade superior, o que nos leva a derrapar no desejo de salvação e de poder. Porém, é na experiência da conexão, de espírito para espírito, que podemos saborear a verdadeira inspiração,
o verdadeiro leite da Mãe Natureza, o toque dos deuses.
- Emma Restall Orr

A ligação da Alma Celta com os ritmos e ciclos da Natureza é poderosa: mesmo em suas manifestações cristianizadas, a Alma Celta preserva essa ligação com a ciclicidade da Natureza, como atestam várias preces produzidas pelos primeiros cristãos irlandeses. No primeiro exemplo, a inconstância das marés, a fluidez do ar e o fulgor das estrelas são evocados como bênçãos:

Paz profunda das ondas que rolam a ti
Paz profunda do ar que flui a ti
Paz profunda da terra em repouso a ti.
Paz profunda das cintilantes estrelas a ti.
Paz profunda do Filho da Paz a ti.

Já no próximo exemplo, veremos como a alternância entre as estações – representada pelo sol e pelas chuvas – também são transformações valorizadas e benéficas:

Que a abençoada luz do sol brilhe sobre ti e aqueça teu coração até que ele se ilumine qual um grande fogo na lareira, para que o estranho nele encontre calor, tanto quanto o amigo.
(...)
E que as bênçãos da chuva recaiam sobre ti – a suave e doce chuva.
Que ela banhe teu espírito para que pequenas flores possam brotar espalhando sua doçura no ar.
(...)


As bênçãos e preces produzidos pelos monges irlandeses preservam em sua essência a lírica ligação que nos une à Natureza e seus ciclos sagrados, e são ecos diretos das celebrações sazonais dos celtas da Antiguidade.
A visão da sacralidade da natureza;
O Animismo;
A compreensão dos ciclos e ritmos do tempo;
A proximidade do Outro Mundo;
A busca de relações inspiradas em nossas vidas;
A compreensão de nossa ancestralidade e dos processos históricos que fazem de nós quem somos;
A importância atribuída à Honra e aos processos transformadores da vida:

Estes são apenas alguns dos muitos valores e conceitos originalmente celtas que, quando resgatados, podem nos trazer benefícios. Em conjunto, elas formam um verdadeiro circuito que, como sempre no pensamento celta, se entrelaçam e possibilitam uma compreensão mais profunda da Alma Celta.
Um exemplo: a percepção anímica resgata a sacralidade da paisagem, que traz a compreensão dos ciclos os quais, por sua vez, mostram a força e as bênçãos da transformação e nos ajudam a entender as relações que estabelecemos com os outros à nossa volta – a começar por nossos ancestrais, ponte direta com o mundo dos espíritos...
Ou então: ao honrarmos nossas origens, compreendemos de onde viemos e as transformações por que atravessamos em nossa aventura neste mundo, inspirando-nos com as relações que estabelecemos em nossa jornada para compreender melhor o mundo de nossa espiritualidade...
A partir da compreensão de que não há ordem, cronologia ou hierarquia no aprendizado da espiritualidade celta, as combinações dos elementos acima são infinitas – como infinito é o benefício que vem de sua compreensão.

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