quarta-feira, 3 de setembro de 2014

HONRA


 

Honra

Poucas palavras são tão mal compreendidas como ‘honra’. Honra não é o mesmo que ‘orgulho’ – basta flexionar os verbos para compreender a diferença: orgulhar-se é pessoal, volta para si mesmo. Honrar é externo, é uma doação ao outro. Ou ainda: “Honro meu país” é bem diferente de “orgulho-me de meu país” – neste caso, honrar é ativo, orgulhar-se é passivo.
A honra é a chave da boa relação – seja entre pessoas, uma pessoa e seu trabalho, seu alimento, sua história. É o elemento que determina o bom fluxo da Imbas – da inspiração – numa dada relação.
Até por isso, para a Alma Celta a Honra torna a existência de escrituras supérflua. Em primeiro lugar, porque a espiritualidade celta era e ainda é uma tradição basicamente oral, ou seja: seus ensinamentos são transmitidos sem que se recorra a textos sagrados, ou a mandamentos recebidos do além, ou ainda a visões de um profeta. Os textos sagrados do druidismo são a paisagem em que vivemos: as mudanças do clima e a ciclicidade do tempo; os espíritos dos ancestrais e do local em que vivemos; o fluxo da inspiração que emana de cada criatura, de cada momento. É da compreensão desses ciclos e dessas interrelações que os druidas destilam sua compreensão do universo em que vivem e, assim, estabelecem os códigos de ética e de conduta que norteiam sua experiência. Era assim na Antiguidade celta, deve ser assim hoje e sempre.
Mas então por que não existem textos que normatizem esses ensinamentos dos antigos celtas? Porque isso seria matar aquilo que a Alma Celta tem de mais sagrado, de mais precioso: o incentivo ao desenvolvimento pessoal, individual. Qualquer texto, qualquer conjunto de mandamentos e regras pré-determinadas inibem, pelo simples fato de serem impostas, a individualidade. Afinal, nas palavras do grande Joseph Campbell, “O que cada um deve buscar jamais pode ser encontrado nalguma terra ou além mar. É algo que vem de sua própria potencialidade individual para experimentar, algo que jamais foi e jamais poderia ser experimentado por outra pessoa.” Ou como diz o ditado inglês, “o leite de um homem é o veneno de outro”, o que é correto para um não é necessariamente correto para os demais. A situação fica ainda mais complexa quando falamos de regras e conceitos escritos séculos, milênios atrás, quando os valores sociais, os costumes, as relações entre os seres humanos e entre estes e a paisagem em que vivem eram totalmente diferentes.
Bem X Mal?
Essa explanação já basta também para acabar com a percepção errônea de que ‘honra’ e ‘moral’ são sinônimos. A palavra ‘moral’ traz em seu bojo conotações como certo e errado, bom e mau, bem e mal. Esses conceitos dualistas simplesmente inexistem na espiritualidade celta.
A espiritualidade celta inspira-se e deriva da compreensão da natureza: não existe, na Natureza, bem ou mal. Portanto, a espiritualidade celta não reconhece esses princípios. E, ao não reconhecê-los, inviabiliza a redação – seja ela ditada pelos deuses, recebida por um profeta iluminado ou canalizada por um espírito – de códigos de conduta, de leis, de mandamentos.
O que nos traz ao ponto inicial deste raciocínio: como então viver uma vida ‘equilibrada’ sem ‘manuais de instrução’? A resposta mais objetiva é: vivendo a vida; inspirando-se nela e por ela; honrando-a. Afinal, a vida não é um aparelho previsível, lógico, mecânico para ter um ‘manual de instruções’: ela é viva e, por assim ser, não existem regras para todos a todos os momentos.
O objetivo da vida é fazer com que o pulso de seu coração entre em harmonia com o pulso do universo, encaixar a sua natureza com a Natureza.
- Joseph Campbell
Com equilíbrio, aliando o conhecimento à inspiração, a razão à emoção, a Alma Celta ensina cada um de nós a descobrir o seu caminho. Esse é um caminho de Honra.


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